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Quinta-feira, 07 de Março de 2002

Jornal do Lojista

O clima do pós-apagão
A volta ou não aos velhos hábitos de consumo definirá as vendas

Gisela Alvares

Se o risco de apagões esquentou o movimento em algumas lojas nos últimos seis meses, em outras, representou um verdadeiro balde de água fria. O fim do racionamento anima comerciantes que esperam recuperar as vendas. Os mais céticos, entretanto, afirmam que o prejuízo é irrecuperável. A volta ou não aos velhos hábitos de consumo é o que definirá as vendas daqui para a frente.

Gerente da Lavanderia Dry Wash, na Zona Sul, Robéria da Cunha Ferreira não acredita que os clientes que optaram por lavar roupa fora de casa para economizar energia se afastem das lavanderias porque não houve um boom de demanda pelo serviço. "A procura não foi tão intensa, mas temos uma clientela cativa, que não considera supérfluo o serviço", afirma.

O racionamento fez com que a Lav&Serv, na Zona Sul, tivesse aumento de 15% na procura pelos serviços de lavar e passar. O proprietário Caio Cordeiro lembra que a demanda foi maior para a tarefa de passar roupa. Cuidadoso, o empresário não arrisca um prognóstico, mas desconfia de alterações definitivas na rotina do consumidor.

Saída doméstica


- Se não for levado em conta o conforto, acho que as pessoas vão preferir a saída doméstica para lavar ou passar. Quem tem diarista é pouco provável que continue a levar as roupas para a lavanderia. Sem o receio de corte de energia, dificilmente manterá o hábito adquirido de levar as peças para serem lavadas e passadas fora de casa. Mas não temo perder clientela porque meu foco são aqueles que contratam o serviço por peça, não por cesto - explica Cordeiro.

A venda de aquecedores a gás, estimulada pela necessidade de conter os gastos com energia elétrica, aumentou, durante a campanha, o movimento nas lojas especializadas e engordou a remuneração dos vendedores. O fim do racionamento preocupa o vendedor da Tecklar, na Zona Norte, Jairo da Silva Nunes, que conseguiu, nos últimos meses, um ganho adicional com a procura pelo equipamento.

- Na loja, houve aumento de 60% nas vendas e estou certo que o percentual vai despencar porque o brasileiro é muito relaxado. Sem o risco de pagar multa, não sentirá obrigação em economizar - comenta.

Na Dr. Eletro, na Zona Sul, o comércio de eletrodomésticos não andava bem desde que foi instituída a multa para aqueles que não alcançassem a meta. As perdas chegaram a 30% e a expectativa agora, com o fim do racionamento, na avaliação do gerente Manoel da Mota Silva, é retomar o ritmo normal de vendas. A Deep Freeze, de refeições congeladas, na Zona Norte, compartilha do mesmo entusiasmo.

Depois de amargar uma queda de 60% nos pedidos, a empresa espera reunir a clientela que desligou os freezers domésticos para reduzir o consumo. O sócio-gerente da Deep Freeze, Luis Eduardo Moraes Jardim, acredita que o fim do racionamento faça a produção voltar a ser o que era antes.

- De maio a julho, houve um baque na produção porque as pessoas que faziam os pedidos quando os freezers estavam pela
metade, simplesmente desligaram os aparelhos e passaram a usar o congelador acoplado às geladeiras, com espaço bem menor.

Para minimizar o prejuízo, direcionamos o serviço às empresas. Mas em outubro, já sentimos uma melhora e agora, acredito que tudo volte a ser como era antes, não só por comodidade, mas porque consumir congelado sai mais em conta que pagar empregada para preparar a refeição - destaca Jardim.

Apesar da fase ruim, a Deep Freeze não desligou nenhum dos 44 freezers e não chegou a ter prejuízo com a conta de luz porque, meses antes da crise, havia comprado uma câmara frigorífica, que oferece mais espaço e consome menos energia.

Ao contrário da Deep Freeze, as expectativas na Les Congeles, na Tijuca, não são nada otimistas. A sócia da empresa, Alba
Regina Barbosa, teve que desligar três dos dez freezers por causa da redução dos pedidos e não acredita na recuperação dos clientes. "Esperança eu tenho, mas estou cética quanto a uma melhora. Não devemos recuperar a clientela que perdemos, porque, certamente, essas pessoas entraram no ritmo de economia e não vão sair por aí ligando todas as tomadas", supõe.

Lição de economia

Já as lojas de material elétrico, que lucraram com a venda de lâmpadas econômicas, estão na expectativa de que o consumidor, com a lição do apagão, tenha aprendido que a economia sempre compensa. Na Ferragens Relâmpago, na Zona Sul, as vendas cresceram, no auge da crise, 45% e mantiveram-se estáveis em 30% a mais. O vendedor Cleverson Campos não teme uma queda na comissão.

- O movimento é bom para o patrão e para os vendedores. O fim do racionamento não deve mudar este quadro porque os consumidores acenderam uma luz na consciência e perceberam o quanto puderam economizar com pequenas alterações. Antes do risco do apagão, muita gente nem sabia que a economia podia ser tão significativa usando lâmpadas mais econômicas. Na época, investimos muito em estoque e nada ficou encalhado. A reposição ainda acontece e creio que continuará sendo constante - conta Campos.

Diretor da Acomp Consultoria e Treinamento, Antonio Cesar de Oliveira afirma que as empresas que se beneficiaram com o risco do apagão têm tudo para manter o ritmo de vendas, enquanto as demais têm grande chance de retomar as vendas. No primeiro caso, estão as lavanderias, cuja praticidade e rapidez no serviço são os fatores que contribuem para que não percam os clientes conquistados no período de economia compulsória.

A demanda reprimida no setor de eletrodomésticos, avalia Oliveira, deve voltar a aparecer, porém, com menos força. O certo é que o período de gasto controlado despertou o usuário de energia para o problema. Foi quando conseguiu ver resultados no bolso, com a conta de luz menor. "Assim, a partir de agora, o consumidor vai voltar às compras de eletrodomésticos que deixou de adquirir, mas de forma seletiva. A crise pode ter favorecido o aparecimento do consumo inteligente e não por impulso. A Copa do Mundo é uma excelente oportunidade de testar o movimento nas lojas", observa o consultor.

 

 


 

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