Sexta-Feira, 15 de Novembro de 2002


Aposta no consumo popular

Rede explora poder aquisitivo dos mais pobres, de R$ 226 bilhões anuais


Dificilmente uma empresa terá contribuído tão decisivamente para o fortalecimento de um conceito de varejo voltado às classes mais populares como a Casas Bahia.

A expansão da rede ao longo dos últimos 50 anos contraria a tese de muitos analistas de que o negócio de eletrodomésticos estaria fadado a perder espaço para os hipermercados, a cada ano mais vorazes. Com enorme poder de barganha, os hipermercados, aparentemente, têm mais facilidade para negociar preços e condições de pagamento.

A falência de redes como Ultralar e Arapuã também contribuiu para reforçar a tese. O sucesso da Casas Bahia, entretanto, demonstra que uma estratégia bem definida ultrapassa qualquer obstáculo. ''A rede de Samuel Klein fez do crédito seu principal diferencial para vencer a concorrência. E, ao oferecer crédito, teve a capacidade de arcar com os riscos, sem ter a necessidade de se apoiar em bancos e financeiras. Essa talvez seja a maior contribuição da Casas Bahia: provar ser possível manter um negócio lucrativo por sua própria conta, de maneira bem feita'', afirma Antônio César Carvalho de Oliveira, da Acomp Consultoria e Treinamento.

O avanço das redes de eletrodomésticos no Brasil ganhou impulso com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. O pós-guerracontribuiu decisivamente para o crescimento de um negócio que se alimentaria do incremento tecnológico e da disseminação das inovações nos países em desenvolvimento, permitindo a diminuição de preços.

A desmobilização da indústria bélica norte-americana acelerou o desembarque no Brasil de todo o tipo de eletrodomésticos, tendo como carro-chefe o refrigerador. Fogão, geladeira, freezer, liqüidificador, batedeira, espremedor, ferro de passar, aspirador de pó, ventilador, ar-condicionado, tudo o que necessitava de uma tomada cresceu no ideal de consumo da população das cidades, o que abriu espaço para a chegada das grandes redes especializadas. As lojas de departamento, surgidas bem antes, na década de 30, logo incorporaram ao seu mix os novos artigos, batizados de linha branca (naquela época, a maioria das geladeiras era de cor branca). Para concorrer de igual para igual, as redes de eletroeletrônicos logo passaram a vender também móveis e brinquedos.

A Casas Bahia foi uma das primeiras a descobrir a força do varejo popular. A estabilização econômica, conquistada na década de 90, permitiu à empresa desenvolver mais eficientemente sua estratégia, que acabou por influenciar todo o varejo.

A oferta de crédito barato, desburocratizado e acessível, lançada pela empresa, virou modelo de atuação no comércio, que hoje não mede esforços para atrair o público de classes mais baixas, com poder de consumo avaliado em R$ 226 bilhões por ano, segundo as principais consultorias ligadas ao varejo.

O lema da Casas Bahia é fazer de tudo para oferecer a mais baixa prestação possível, que caiba no orçamento das famílias. Grande parte do varejo brasileiro já se convenceu de que a tese da família Klein representa a sobrevivência e a lucratividade do setor. Os concorrentes começam a se dar conta também de que, para atender ao consumidor menos favorecido, é preciso diminuir as exigências de crédito, o que, como acontece com a Casas Bahia, não significa necessariamente arcar com os riscos de uma inadimplência descontrolada. Apesar de dispensar a comprovação de renda, a empresa tem um nível de inadimplência de 8,5% contra 20% na média do mercado.

A opção da Casas Bahia pela indústria nacional, tomada bem antes das crises cambiais que se arrastam desde o fim da década de 90, também influenciou o varejo e tornou a empresa bastante competitiva em tempos de alta do dólar. Seus principais executivos garantem que a rede não será afetada pela diminuição do valor de compra do real, já que seus fornecedores são genuinamente nacionais.

 


 

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